Há lugares que contam histórias
Brá, um bairro de Bissau, foi um dos palcos da “Guerra de 7 de Junho” de 1998. Entre junho desse ano e maio de 1999, havia aqui trincheiras, medo e silêncio. Mesmo assim, a vida encontrava brechas: junto das pequenas nascentes que brotam da areia — os “udjus di iagu” —, combatentes de todos os lados vinham buscar água. Durante as pausas no fogo cruzado, era aqui que os combatentes armados e desarmados se encontravam. Água para beber, para lavar, para seguir.
Anos após a guerra, os mesmos olhos de água continuavam a ser um local de encontro e de necessidade. Todos os dias, mulheres e crianças vinham encher bidões e bacias com água para lavar roupa e pratos, tomar banho e recolher água para beber. A vida continuava, mas o local permanecia frágil e exposto.

O terreno e o sonho
Foi nesse contexto que, em 2010, a equipa do projeto Mom ku Mom, em preparação do lançamento deste projeto de construção da paz (numa cooperação entre DDCC e a weltfriedensdienst e.V.), começou a conversar com a comunidade de Brá sobre a possibilidade de transformar aquele espaço.
A DDCC – Djemberem di kumpu kombersa – reúne militares de diferentes ramos e patentes, homens que em tempos estiveram em lados opostos da linha de frente e que decidiram, juntos, trabalhar pela reconciliação.

Quando a ideia ganhou forma, o senhor Manuel Pinto Lopes abriu as portas do seu terreno para que esta construção fosse possível.
Ao longo dos três meses de obras ele esteve sempre presente, ajudando na logística e garantindo que a população continuasse a aceder à água. O ambiente entre pedreiros, engenheiros e moradores era de colaboração e respeito – os militares, que tantas famílias têm como filhos, trabalharam ali lado a lado com a população civil.
7 de Junho de 2010 – um sinal de união
No dia 7 de junho de 2010, doze anos após o início da guerra, foi lançada a primeira pedra da Fonti di Paz.
A escolha da data não foi por acaso: não esquecer para poder transformar.

Os trabalhos foram conduzidos pela Engenharia Militar, envolvendo várias especializações. Naquele dia, um mangueiro serviu de abrigo para as pessoas, e as primeiras pás foram cravadas na areia.
Foi um gesto simples, mas cheio de significado: militares e civis a trabalhar juntos, a erguer algo que serve a todos – água limpa, um lugar aberto, um sinal de reparação.

As palavras de Manuel Pinto Lopes
Nesse mesmo dia, Manuel Pinto Lopes tomou a palavra. O vídeo desse momento guarda o seu apelo à unidade e ao respeito pelas almas que ali perderam a vida.
Emocionado com a presença massiva e com o que a Mandjuandade de Zé Lopes cantava, ele disse:
“Anos tudo ku sta li pa no pensa na um son, no djunta mom. Pa no pensa na um son no djunta sintidu. Pa no pensa na um son pa progressu. No dixa ódiu, ódiu ka ta kumpu nada. Racismu ka ta kumpu nada. I água – el ki vida, el ki saúde.”
Manuel Pinto Lopes
Palavras que continuam a ter força até hoje.
Depois de 2010 – a fonte continua
Com o passar dos anos, muita coisa mudou à volta da Fonti di Paz.
Novos edifícios foram construídos, estradas abertas, canalizações instaladas. Mesmo assim, a pequena fonte continua a correr – mais escondida agora, entre o verde, mas viva.

E, mesmo que a justiça formal nunca tenha chegado às vítimas daquela guerra, este lugar é um sinal de que a sua história foi reconhecida.
Recordar Manuel Pinto Lopes
Hoje, ao lamentar a morte de Manuel Pinto Lopes, recordamos a generosidade deste gesto.
Que a sua memória encontre um lugar de paz, e que as águas da Fonti di Paz continuem a lembrar o seu nome.









