Quando o povo fica fora do jogo
Guiné-Bissau: Quando a política vira jogo e esquece a missão
Bissau acorda cedo, mas quem governa parece viver num outro fuso horário. Enquanto o cheiro do Caldo Branku se mistura ao ronco dos toka-tokas na zona do Aeroporto, nas esquinas da Baiana o assunto é o mesmo de sempre: mais um novo primeiro-ministro, mais promessas que evaporam no ar e, no horizonte, um novo “jogo” político em formação.
No Café Império, o professor Kidele Keia observa o entra e sai do Palácio e solta, num quase sussurro:
– A política aqui é como um jogo de cartas – e não é raro que estejam marcadas. O problema não é o jogo, é que poucos jogam para todos.
Nos últimos dez anos, a Guiné-Bissau teve mais trocas de governo do que aniversários de independência. Alianças são feitas à noite e desfeitas ao amanhecer. Deputados mudam de bancada como quem muda de camisa. E o povo? Permanece nas bancadas da vida real, vendo a partida sem nunca tocar na bola.
O estudo Udju Riba di nó votu, do Projeto Fórum de Paz–Guiné-Bissau, revela: a confiança nas instituições políticas caiu vertiginosamente. Hoje, os guineenses confiam mais na Liga dos Direitos Humanos do que nos políticos.
O politólogo Rui Jorge resume:
– Quando a política se reduz a manobras de bastidores, a missão desaparece. É como um tabuleiro de damas onde ninguém olha o conjunto, apenas a próxima peça a ser retirada.
Mas há resistências. Em 2023, Kumpuduris di Paz, com apoio do Projeto Fórum di Paz, levou formação em cidadania pró-ativa a jovens de todo o país, estimulando-os a entrar no jogo – mas com as próprias regras da ética e da participação.
O jurista Fodé Mané aponta o caminho:
1. Regras claras, para todos, sem exceções nem jeitinhos.
2. Formação ética, para que servir seja mais importante do que vencer.
3. Cidadania ativa, que não se contente em assistir.
– Não é errado jogar. O erro é trair quem te deu o direito de estar em campo – dispara Dr. Fodé, antes de se perder no vaivém da esquina.
A pergunta fica no ar como poeira no vento: teremos coragem de transformar a política em missão? Ou vamos continuar aplaudindo lances bonitos enquanto a rede da baliza – sempre a nossa – rasga-se um pouco mais a cada golo contra?
Armando Mussá Sani